domingo, 15 de janeiro de 2017

Devir Social e o estado como agente de continuidade

Introdução:
     O que é um estado? Há alguns artigos atrás o Devir Social já assume que um estado é o principal agente de continuidade social. Porém, esta definição é breve e vaga, sendo a intenção deste artigo estendê-la e explicá-la para que se torne claro como o Devir Social entende importante a existência de um estado para o bem-estar de uma sociedade. Porém, a todos aqueles que decidirem continuar, aconselho-os a limparem-se de seus preconceitos com relação ao atual funcionamento do estado: para o Devir Social, o estado como se apresenta atualmente é uma mera consequência de uma teoria de estado ultrapassada, que permite mecânicas obscuras de controle que desfavorecem completamente a continuidade de uma população.

Surgimento:
     Para iniciarmos o entendimento sobre o que é um agente de continuidade, é preciso lembrar quais princípios motivaram a organização atual do estado. Inicialmente haviam estados construídos de forma que um agente só detinha todo poder, ou, quando separados, esta separação não era forte o suficiente para evitar que o monopólio do poder surgisse. Através do monopólio do poder, um agente social se tornava tirânico, o que implicava em uma grande dependência do estado para a personalidade daqueles ou daquele que dominava. Isto é um cenário completamente desastroso para a continuação de um estado complexo, pois, com um determinado agente, o estado poderia funcionar de um jeito, com a morte deste e o surgimento do outro, o estado transformaria seu comportamento, dando descontinuidade a todo um trabalho já executado. Além disto, a sombra de um agente tirânico com instabilidade de personalidade no poder assombra qualquer povo que preze por sua liberdade.

    Para tanto, houve a separação moderna do poder do estado. Executivo, judiciário e legislativo. Mas, a principal pergunta a ser feita aqui é: o que é este poder que sempre foi presente nas sociedades? Este mesmo poder responsável por organizar os exércitos, tomar as decisões mais importantes para o convívio das pessoas e usar o que há de melhor em cada estado? O Devir Social chama isto de “poder de continuidade”, que é exercido por um agente de continuidade social. Basicamente, este poder se instala através do sofrimento e da falta de capacidade ou de objetivo de lutar que pessoas individualizadas apresentam, mas que quando organizadas através de alguma entidade, revelam uma força expressiva e vantajosa para todos os envolvidos. E uma vez que tal entidade é instalada, ela, através de seus indivíduos, busca uma forma de continuar, que pode ser tanto através da violência, como nos estados antigo, como através da ignorância do povo, como no estado moderno.

     A oficialização dos agentes de continuidade através da invenção do estado foi algo de fundamental importância para a eficiência de uma sociedade. O estado se torna responsável por observar sua sociedade e fazer o que for necessário para o seu bom funcionamento, de modo a torná-la competitiva diante de outras sociedades, tanto para ganhar guerras quanto para continuar economicamente ativa. Com o estado oficializado, foi preciso também inventar uma maneira de fazer sua manutenção. As mais modernas, atualmente, é a democracia e o direito, pois é através destas duas tecnologias que os países mais avançados da Europa e das Américas se organizam. O direito, carregando em si o princípio dos três poderes como forma de organizar os agentes detentores do poder, e a democracia, como forma de escolher quais agentes irão assumir a estrutura do estado para dar continuação à sua existência.

Caracterização:
     Estes três parágrafos demonstraram um pouco da construção do estado moderno e da tendência das pessoas de criarem entidades para organizar o seu poder. A política trata-se fundamentalmente de organização, afinal. Toda estrutura física criada para política é perecível, e reflete somente o poder de organização que existe nas pessoas. Muitos defensores de que apenas a força econômica é o suficiente para organizar uma sociedade ignoram que o maior organizador político é o sofrimento, e que o sofrimento fundamentalmente nasce das pessoas que estão em pior situação em uma sociedade. É preciso ressaltar que este “pior” não é um adjetivo qualificativo e sim comparativo, o que implica que sempre vão existir pessoas que sofrem em uma sociedade não importando quão economicamente rica ela é. Além disto, se o sofrimento não encontrar vias legais para transformar a sociedade, ele irá encontrar meios violentos para tanto.

    Portanto, é justamente do sofrimento que começaremos a explicar o que é um estado enquanto agente de continuidade social. Toda vida é um processo de continuidade, afinal, todo filho vem de uma família. Porém, quando este processo de continuação está difícil, ele gera sofrimento. O sofrimento então se materializa através da violência, no sentido mais puro da palavra. A violência instala novos comportamentos, que podem ser bons ou ruins. A princípio, a própria família tem capacidade de lidar com o sofrimento, filtrando os comportamentos dos ruins, de modo a fazer da própria renovação familiar, uma renovação também da atividade que mantém a tal família viva. Porém, quando a sociedade está doente, a própria família perde esta capacidade de filtro, de modo que esta responsabilidade acaba sendo transferida para o estado.

Função seletor:
   Sendo assim, a primeira função de um estado de continuidade social é prover políticas capazes de lidar com o sofrimento humano, através da privação de liberdade para aqueles que encontram soluções nocivas para o seu sofrimento, e o incentivo para aqueles que encontram soluções saudáveis para o seu. Assim, a própria solução em questão é reforçada positivamente, alcançando novas pessoas que também estão sofrendo e ganham uma oportunidade de atuar em algo que satisfaça sua existência, enquanto que as soluções negativas são desestimuladas, mantendo os agentes responsáveis por tais soluções em vigilância até que eles encontrem ou adiram a soluções positivas para a sociedade. Porém, estes agentes que encontram soluções ruins podem não ter outra solução para sua vida, o que leva a segunda responsabilidade do estado de continuidade social, que é a redistribuição.

Função redistributiva:
    O próprio direito moderno, montado sob o lema igualdade, fraternidade e liberdade, prevê que existe um conjunto de garantias mínimas que todo cidadão precisa ter para manter-se digno. Se este cidadão não consegue por si só alcançar a estas garantias, o estado precisa desenvolver formas para que isto seja alcançado. Afinal, sem estas garantias mínimas, o próprio cidadão não terá capacidade de desenvolver ou aderir a soluções positivas para a sociedade, é o que chamamos de estado indigno de existência. Contudo, a própria forma de garantir a redistribuição deve ser pensada cuidadosamente para evitar pessoas que se satisfaçam apenas com o que o estado dá, evitando, desta forma, o desenvolvimento de pessoas que parasitem sobre o imposto do próximo.

Característica de estabilização:
    A função de redistribuição pode ser agrupada em uma característica estabilizadora. Ou seja: cria condições de estabilidade para que os cidadãos consigam viver com dignidade. Outra função estabilizadora de um estado de continuidade social é a regularização. É preciso que um estado regule e fiscalize as principais atividades humanitárias que se desenvolvem sob sua responsabilidade, isto porque é ele quem vai arcar com as consequências do que acontecer caso algo dê errado. Regularizar é fundamentalmente uma questão de educação, e ela nunca deve ser inibidora, mas sim corretora. Afinal, é através da regularização que os agentes de diferentes classes sociais vão se sentir seguros para continuarem com suas atividades e cuidar de suas famílias e que muitos problemas de saúde pública e acidentes são evitados. Contudo, devido à falência na capacidade de manutenção do estado, a regulamentação e a redistribuição estão bastante ineficientes no nosso estado atual.

Função reguladora:
    O próprio estado e suas funções também precisam ser continuados, com isto estamos na terceira função do estado, que é sua própria manutenção. Aqui entra a democracia e o direito, que abre margem para os impostos e taxas. De qualquer forma, a manutenção do estado, atualmente, é a parte mais delicada. Alguns estados são fracos, outros são fortes. O estado basicamente perdeu sua capacidade de ser calibrado devido ao distanciamento do povo da realidade cotidiana da política, o que dá liberdade para o político desenvolver mecanismos para iludir e amortecer o sofrimento do povo enquanto que ele garante sua própria continuidade no poder. O próprio estado ter chegado a este ponto prova que ele é um agente de continuidade, pois de que outra forma ele iria desenvolver toda esta sabedoria em desenvolver mecânicas para iludir e amortecer o povo, sem ser através de uma continuação de tentativas e erros de vários e vários políticos que entram e saem do poder a cada eleição?

Função de manutenção:
    A principal bandeira de militância do Devir Social é a modernização das mecânicas de manutenção do estado. Tanto através do tribunal de júri, como forma de revalorizar a moral e fornecer subsídios éticos aos legisladores e as classes que se envolvam em conflitos, como também através dos conselhos sociais, que atuam fiscalizando e auxiliando na implementação de políticas públicas para que estas se demonstrem realmente eficientes, e não apenas uma ferramenta de maquiagem social. Também, o Devir Social prevê que cada cidadão possa ter o direito de participar e encontre canais de se manifestar publicamente, e que toda a máquina pública deva alcançar um estado de transparência de funcionamento, para assim atender aos requisitos básicos do estado de direito definido pela constituição federal.

Estado: prejuízo maior que benefício?
    Há quem diga, ainda, que os custos para manter um estado é maior que os benefícios para manter um. É difícil defender o estado atualmente, pois ele está completamente fora de sua função como agente de continuidade. Se ele regulariza, por exemplo, esta regulação é feita interesses muitos maiores que apenas os das classes envolvidas com a regulamentação, de modo que até mesmo seja mais benéfico o cenário antes da regulamentação que depois para os envolvidos diretamente com ela. Se ele redistribui, sua redistribuição é feita com uma grande dose de desvios e ilicitudes. Suas políticas de inibição de comportamentos ruins é completamente desmedida, atuando apenas em situações extremas, e praticamente não existem políticas de para reforçar bons projetos, porque todo projeto que ganha caráter político também ganha as velhas práticas políticas, que desvirtua e tira a força e o potencial original do projeto.

    Contudo, imaginando um estado realmente eficiente, é preciso pensar na estabilidade, que vai desestressar as pessoas e revalorizar a instituição familiar, na capacidade de recuperar as pessoas de caminhos criminosos, de evitar acidentes ou mortes recorrentes por falta de interesse econômico dos que submetem os outros a tais práticas, entre outros aspectos. Como uma forma de concretizar tudo isto, vamos supor que o mercado econômico tenha pouco ou nenhum interesse em investir em ideias com baixa lucratividade, mas que valorizem os bons hábitos humanos, ou tenha pouco ou nenhum interesse em se arriscar. O primeiro projeto terá pouca chance de ser financiado, se não for pelo interesse do estado em sustentá-lo para usá-lo de marketing político para reeleger os políticos responsáveis por sua boa implementação. O segundo terá dificuldades de conseguir a verba inicial, então terá de recorrer aos bancos, o que representa um risco absurdo ao empreendedor em questão. Porém, estes dois cenários são os que, de fato, transformam os aspectos econômicos de uma sociedade.

     Sem esta renovação, as pessoas ficam presas ao que gera lucro. E o problema do que gera lucro é que um ambiente de alta competitividade é também um ambiente de alto estresse, e o estresse diminui a capacidade das pessoas se relacionarem, o que diminui o consumo e a capacidade de inserir as pessoas em novas atividades econômicas, já que a cultura em si também é diminuída. Ora, quem vai querer arcar com os custos de formar um novo profissional? Senão a própria família, interessada em que seu filho(a) consiga sobreviver, ou o próprio governo, interessado em conseguir votos? Mas, e se a própria família está ocupada demais tentando produzir o máximo de lucro possível, como a questão cultural do seu filho será organizada? Ele também entrará em um ambiente extremamente competitivo, e que a resistência a erros é baixa. Sem o suporte da família, este ambiente se torna quase impossível, e então temos como resultado uma geração de pessoas que não conseguem se adaptar ao mercado de trabalho como funcionários, e também não conseguem ser empreendedores, pois não existe neles o amadurecimento para arcar com os riscos de inovar.

Conclusão:
    A sugestão do Devir é: porque não pegar parte do esforço depositado para desenvolver um ambiente de alta competitividade e depositá-lo na organização política, para que esta consiga assumir riscos e desenvolver projetos que alterem o cenário econômico para aqueles que realmente tenham projetos descentes de serem continuados e que transformem o viver daqueles que sofrem? Para tanto, é óbvio, a política precisa funcionar, coisa que atualmente não acontece. Mas, num ambiente não tão competitivo, erros tornam-se mais toleráveis e também sobra mais tempo para passar com a família, o que aumenta o consumo e a segurança das relações humanas de uma maneira geral. Finalizando, o Devir Social espera que, se o estado consiga alcançar suas funções de continuidade social através das propostas de melhorias sugeridas pelo Devir, consigamos superar os grandes males deste século, que é, por um lado, uma população depressiva, por outro, a falta de fraternidade. Abaixo, segue um gráfico para representar de maneira ilustrativa o que eu quero dizer com estes dois últimos parágrafos. Abraço a todos e até a próxima postagem.



      Este é um gráfico de esforço por produção. Ele, inicialmente, mostra que para haver produção, é necessário um investimento inicial. Quanto mais refinada ou tecnológica for a atividade, maior é este investimento, seja em capital humano como também em infraestrutura. Mas, com tal investimento alcançado, a questão da produtividade deste gráfico se fundamenta principalmente no envolvimento do funcionário com a empresa. Quanto mais envolvido, mais esforço ele aplica, mais produção também, porque este esforço não depende de investimento. Este esforço pode estar localizado na zona de estresse, que é considerada o ápice da produtividade, ou na zona de intolerância, que é ainda mais produtiva, porém não admite erros. A questão se complica quando vivemos em uma sociedade que acha natural viver na zona da intolerância, o que não é, pois o comportamento intolerante do trabalho é importando para as relações familiares, e isto é algo prejudicial à continuidade da família. Além disto, porque não pegar este esforço que torna as pessoas intolerantes e investir em novos comportamentos? Continuar produtivo, sim, mas desde que a produção seja passível de continuidade sem prejudicar outras formas de continuidade, como a família ou a própria sociedade.