sábado, 19 de novembro de 2016

Devir Social e a discussão sobre o ensino médio

Introdução:

    No Brasil, é clara a necessidade de uma discussão do ensino médio. Sendo assim, o Devir Social se propõe, neste artigo, a aplicar seus princípios na imaginação de premissas interessantes a serem trabalhadas no desenvolvimento de uma reforma no nosso atual ensino médio. Para iniciar, será feito um rápido resumo sobre a proposta e princípios do Devir Social. Este movimento tem como objetivo acabar com a “terceirização da responsabilidade” que acontece quando as pessoas acreditam que o voto é ferramenta única e suficiente para cuidar da democracia. Também, desejamos introduzir o conceito de “pares cuidam dos pares”, como forma de permitir que as interações sociais, que geram responsabilidade, aconteça de modo harmônico e com margens de segurança adequadas. Também, assumimos que o governo de um país é responsável por seu “processo de continuidade”, ou seja, é dele a responsabilidade de desenvolver estratégias e mecanismos para recuperar e dar continuidade as diversas áreas de atuação de uma população. Com estes princípios em mente, vamos continuar o artigo.

    Quando assumimos que é do governo a responsabilidade de pensar no processo de continuidade de um país, assumimos também que é ele quem tem as condições de pensar estrategicamente sobre a futura área de atuação de seus cidadãos, e preparar uma educação que deixem aptos a atuar nisto. Isto implica que é do governo a responsabilidade de planejar o ensino médio, escolhendo as características que se adéquam à sua realidade. Garantir que todo cidadão seja passível de ter o direito à educação formal também é responsabilidade do governo pelo princípio de igualdade que a constituição federal do nosso país adota. Não adianta, contudo, fazer uma proposta de educação que abranja tudo, mas não faça nada. Portanto, para fazer uma proposta razoável e possível, é preciso analisar as condições, recursos e características as quais o país está imerso.

Cadeiras:

    Ora, mas o Devir Social por si só já nasce de uma análise destas características do nosso país. Sendo assim, utilizaremos os princípios do Devir Social como guia na nossa investigação por uma nova proposta de ensino médio. A começar, como formular uma educação que dê condições ao cidadão combater a “terceirização da responsabilidade”? É preciso que a educação dê ao aluno a consciência que, embora dinheiro possa resolver muitas coisas, é dele a responsabilidade de cuidar, verificar se os projetos estão sendo bem executados e dar a ele a consciência de seus direitos enquanto cidadão. Para tanto, o ensino da história que fundamenta os princípios da nossa constituição federal são fundamentais. Todo cidadão deve saber quantas pessoas lutaram, sofreram e morreram para escrever em uma constituição federal “todos são iguais perante a lei” e o quanto uma simples frase em um documento tão importante pode modificar a vida das pessoas.

    O ensino de geografia entra dando ao aluno todos os conhecimentos básicos necessários para analisar, prever e exigir as intervenções básicas que todo governo pode aplicar à sua região como forma de melhorar sua qualidade de vida. Além disto, a geografia e a história devem ter um aspecto local muito bem focalizados, já que é o conhecimento local que desperta no aluno a consciência de que ele pode ser fazer algo para melhorar seu ambiente, mesmo que seja mínimo, e daí seu crescimento em consciência e atuação se assim ele sentir necessidade. Vale ressaltar que isto já é previsto pelo Devir Social, quando ele pretende instalar unidades físicas em todo município para que as pessoas tenham acesso à informações primordiais do seu município de forma organizada e moderna, para que ele tenha maiores condições de votar e atuar.

    O estudo do português e matemática entra como forma de reprodução da linguagem formal. Ambas as ferramentas são primordiais para a comunicação, sendo elas as responsáveis por desenvolver no aluno a capacidade de observar sua realidade, organizá-la e transmiti-la da maneira mais precisa e simples possível, características desejáveis para o bom desenvolvimento de projetos e capacidade de se planejar estrategicamente. Sociologia entra como a disciplina que desperta no aluno a reflexão sobre os vários modelos sociais existentes em nosso planeta, de modo que ele tenha a base para a reflexão e discussão sobre medidas comportamentais que deem mais perspectivas sobre projetos políticos e consciência de voto. Filosofia entra como a história e o princípio das ciências, despertando no aluno a capacidade de ver o mundo além da científica ao estimulá-lo a desenvolver seu próprio pensamento filosófico aonde a ciência não têm ferramentas para assumir.

    Estas seis matérias são base para dar base de conhecimento para o aluno desenvolver seu pensamento crítico, a capacidade de desenvolver e de se comunicar. Estas matérias são a base, mas não suficientes. Contudo, a principal forma de avaliar se o aluno foi ou não capaz de absorver essa base é através de testes escritos, do modo tradicional. Isto porque, a assimilação destas matérias trata-se apenas de uma “reprodução” do que já foi desenvolvido e acordado por muitas cabeças pensantes em frente aos fatos in loco. Sabemos, contudo, que apenas a reprodução de informação não dá sustentação para um ensino médio competente, pois a produção é primordial no processo de capacitação de atuação de um cidadão frente às dificuldades da vida. Para tanto, o Devir Social entende como interessante desenvolver um novo formato de atuação na qual o aluno possa ingressar e aprender. (física e química fazem parte da grade de cadeiras, mas serão mencionadas a frente)

Competição:

    Que formato seria este, afinal? Para responder esta pergunta, utilizaremos o princípio da liberdade e a iminente consequência que de pessoas livres: a competição. Sendo assim, o Devir Social entende como interessante a adição de atividades competitivas no currículo escolar, de modo que o aluno aperfeiçoe suas práticas pura e simplesmente através da competição, sendo papel dos professores o direcionamento e suporte psicológico para todos os estresses e nuances que as atividades de competição exigem do cidadão. Neste ponto, o auxílio dos responsáveis civis do aluno se torna primordial, bem como a observação, por parte dos profissionais, se estes responsáveis conseguem lidar de forma saudável com a competição. Não é novidade para ninguém os vários distúrbios psicológicos que os excessos podem causar nos alunos: seja excesso de competição, como também excesso testes e reprodução.

    São diversas áreas interessantes para o aluno competir. Para o Devir Social, as principais áreas de competição. Dentre elas: programação, redação, esportes e empreendedorismo. O aluno, neste formato de ensino médio, tem que submeter no mínimo a um tipo de competição, sendo, contudo, garantido a ele a possibilidade de participar de todos. Aliás, o incentivo a participação de mais de tipo de competição deve ser algo integrado aos educadores, pois desenvolve no aluno a percepção de que ele é capaz de aprender várias formas de atuar na sociedade. Contudo, em alguns casos, alunos que se destaquem demais em suas áreas vão cair a tentação de atuar somente nela, podendo segui-la de forma profissional. Os educadores envolvidos com a competição deverão ter alguns conhecimentos para incentivar e gratificar o aluno que tenha coragem de participar e aprender, mesmo que perca, para estimular principalmente a capacidade cognitiva de “aprender a aprender”.

Artes e feiras de conhecimento:

    Atividades artísticas entram como recreação, sendo opção da escola desenvolver formas do aluno poder utilizar suas habilidades artísticas para expressar suas emoções e decorar seu ambiente escolar, de modo a desenvolver um senso de familiaridade e pertencimento nos alunos. A escola pública, de fato, é do aluno, então se a arte transformar o ambiente que ele vive em um ambiente melhor, ela deve ser incentivada. Isto, aliás, transforma o ambiente morto e padronizado de alguns estilos arquitetônicos em algo vivo, prazeroso ao aluno, e individual. A educação física também estará na grade para estimular no aluno hábitos de treino físico e alimentação saudável: isto ainda mais trabalhado nos alunos que desejam seguir a competição esportiva.

    Torna-se claro que, com um ensino médio tão diversificado e estimulante dos vários campos de desenvolvimento pessoal que o aluno possa seguir, o desenvolvimento técnico se torna menos valorizado. Estamos formando cidadãos em primeira instância, e em seguida, se assim o cidadão desejar, profissionais técnicos. Química e física entram neste contexto, deixando de serem cadeiras pesadas desta grade para serem cadeiras leves, contextualizadas ao tempo histórico do aluno, seu cotidiano e suas tecnologias, além de dar explicações para as perguntas mais comuns que uma mente curiosa tende a formular sobre o mundo. No entanto, projetos científicos podem ser estimulados nos alunos através das “feiras de conhecimento”, em que os alunos mais entusiastas podem desenvolver trabalhos de cunho científico e exibi-los para sua comunidade. Este tipo de atividade entra numa classe de “desenvolvimento puro” do conhecimento, afinal, ele não é guiado por competição e nem por reprodução, mas pelo interesse do aluno em aprender.

    Tanto as atividades de competição quanto a feira de conhecimento podem ser escaláveis para contextos municipais, estaduais e federais. No caso das feras de conhecimento, contudo, é preciso, por parte dos educadores, tomar cuidado para não inscrever equipes ou membros que não conseguem contribuir positivamente com o objetivo da feira, de modo a valorizar o aluno que o faça e desenvolver um ambiente próspero a tanto. Esta liberdade e esta responsabilidade que adicionamos aos educadores e aos alunos de cuidarem do ambiente escolar através da “arte” e da “feira de conhecimentos”, bem como a necessidade de aprender a competir, são resultados diretos do pensamento do Devir Social de que “os pares devem cuidar dos pares”. Estamos, afinal, fazendo com que o aluno escolha, através de suas habilidades individuais, a qual circuito de paridade ele deseja atuar e se desenvolver, sendo dele a escolha de participar de mais de um se assim tiver tempo ou de mudar quando achar adequando.

Recuperação e responsabilidades:

    Todas as atividades extras que os alunos fazem devem ser registradas no currículo, de modo que cada aluno saia com seu perfil curricular único ao fim do ensino médio, mas apto a ser cidadão independente de suas escolhas. Por isso, não é possível flexibilizar as oito matérias bases que aqui foram expostas. O processo de recuperação também precisa ser aplicada com cuidado por parte dos educadores. Ela pode ser modularizada, de modo que se o aluno repetir apenas em uma cadeira, ele pode fazê-la individualmente num próximo período, em detrimento da perca de tempo para exercer outras atividades como prejuízo, sendo vedado o acúmulo de recuperação de uma mesma matéria. Neste caso, o aluno precisará passar por uma analise para saber o que está afetando sua capacidade de aprendizagem e seu interesse de reproduzir os principais conhecimentos de atuação da nossa sociedade.

    Percebam, neste momento, a necessidade de comprometimento dos educadores e familiares. Esta é o principal ponto da reforma do ensino médio que o Devir Social quer estabelecer: escolas são seres humanos lidando com seres humanos. Sendo assim, é preciso que nas escolas, todos estejam conscientes, aptos e acordados por crescimento e atuação.  Se o responsável pelo aluno não entende a necessidade de dar educação formal a ele, é preciso que se desenvolvam profissionais capazes de analisar cada caso e iniciar procedimentos de educação, inclusive, para estes responsáveis, bem como os auxílios necessários para manter o aluno na escola. A realidade brasileira demonstra que temos recurso suficiente se eles pararem de ser gasto com corrupção ou projetos mal elaborados ou ineficientes. Para combater a corrupção, é consciência e atuação do cidadão em relação aos seus direitos, e para melhorar a eficiência dos projetos, o aumento do interesse das pessoas aumenta a quantidade de sugestões para seu aperfeiçoamento e a eficiência das ações. Se as pessoas não acreditarem e se envolverem com o ensino médio, ele não funciona: bem simples assim.

Profissão e continuidade:

    Quanto à formação técnica e profissional dos alunos submetidos a esse novo projeto de ensino médio, este realmente é um foco de menor preocupação do Devir Social. Afinal, assumimos que a característica que urge na nossa sociedade é as pessoas voltarem a acreditar em si, e isto não é algo que pura e simplesmente a técnica possa fazer. No entanto, cada responsável por seus filhos terá o tempo para ingressá-lo numa atividade de aprendizado profissional, desde que aprender uma profissão não comprometa o aluno em suas atividades escolares e nem seja contra a vontade do aluno. Uma vez que o aluno expressar a clara vontade de exercer alguma das atividades propostas no ensino público ao invés de aprender a profissão que o familiar o obriga, é claro o direito do estado de intervir através da lei de proteção ao trabalho do menor de idade e de seus educadores.

    Isto porque, por um lado, o Devir Social entende a necessidade que os pais sentem em dar continuidade ao seu trabalho e conhecimento através de seu filho, por outro, entendemos que a curiosidade e a vontade de atuar de uma criança é mais preciso que qualquer conhecimento a ser aprendido durante a fase do ensino médio. Se o pai conseguir ensinar sua profissão ao filho de modo que se torne prazeroso a ele aprender, que assim o seja. Isto é, inclusive, o “princípio da continuidade” sendo aplicado à família, e é algo muito importante a ser desenvolvido na nossa sociedade. Contudo, existem algumas famílias que não tem força para serem continuadas, neste caso, o ensino formal deve entrar para dar novas chances pro aluno se desenvolver enquanto cidadão. No demais, a atuação nas atividades do ensino público vai abrir no aluno a capacidade de trazer conhecimentos que melhore a atuação da sua família em determinada atividade quando lá ele começar a atuar na sua fase adulta. Isto, de certa forma, representa uma renovação na atuação daquela atividade na sociedade, o que certamente é algo benéfico ao estado.

Por processo de continuidade, é preciso lembrar também que durante a idade escolar, o aluno estabelece relações sociais que vão fornecê-lo, pouco a pouco, as experiências necessárias para a formação de uma família. Parte destas relações acontecem no ambiente escolar, parte acontece em casa. Se o aluno tiver um forte ambiente familiar, estas experiências tem maiores chances de acontecer em casa. Caso contrário, as chances de acontecerem na escola é maior. Portanto, o Devir Social assume que é suficiente que as cadeiras obrigatórias durem um turno, e as atividades de competição e extras o outro turno, estas adaptáveis ao que o aluno desejar e a escola poder oferecer. As aulas podem ser administradas de modo a fazer os alunos entre eles e também entre a sociedade, com visitas à patrimônios públicos e instituições do governo em alguns fins de semana.

Ensino privado e superior:

    As escolas privadas, neste contexto, são livres para fazerem o que quiserem. Afinal, elas já são fraternas ao pagarem os impostos e sustentarem, junto com a sociedade, o ensino público, e são livres. Isto é válido desde o ensino fundamental ao ensino superior. Contudo, o ensino público superior deve ser formatado de acordo com as necessidades de continuidade do estado, de forma estratégica, e isto tem uma implicação enorme para aqueles que aceitam ingressar ao ensino superior público: eles precisam recompensar o estado pelo investimento atendendo as expectativas de criação do curso, se assim for possível. Isto significa que o estado tem o direito, por exemplo, de ao criar determinado ensino superior, obrigar aos alunos que lá entrarem a atuarem somente dentro do país, se assim for interesse do estado. Ou, ainda, quando terminar o ensino superior público, atuar em determinado ramo industrial pré-estabelecido em acordo, sendo a privação de liberdade pena para quem não cumprir.

    Se o cidadão não desejar assumir a responsabilidade que o estado a ele atribuir para ingressar no ensino superior, ele é livre para tanto. Além disto, o ensino privado superior está à disposição para suprir as necessidades especificadas de cada cidadão, que não estão diretamente relacionadas com o interesse do estado. Desta forma, ao mesmo tempo que atendemos a necessidade de liberdade das pessoas, também atendemos a necessidade de continuidade do estado. O estado, enquanto educação formal, só através do ensino médio já cumpriu sua função: formar um cidadão capaz de desenvolver, se comunicar e atuar, de forma que o cidadão é capaz de se desenvolver com seu próprio esforço. Em outras palavras, ele “aprendeu a aprender” e “é capaz de lidar com outros seres humanos por vias formais”. Ensino superior são especificidades que são condicionadas a temporalidade e localidade da atuação do estado.

    No entanto, se o estado disponibilizar o ensino superior às suas custas, mas não atrelar à aquele que decidir ingressar nela a responsabilidade de contribuir de volta, aos poucos um estado de desarmonia se instala na sociedade. Isto porque o seguinte cenário se forma: sendo as escolas privadas livres e as escolas públicas de ensino superior aberta para qualquer um, já que não se pode discriminar, a escola de ensino privado focará sua grade curricular para fazer o aluno ter as condições de ter uma base melhor em assuntos técnicos que os alunos públicos em detrimento de sua atuação cidadã. Assim, ocorrerá um cenário em que as escolas de ensino superior pública são povoadas por alunos de escolas particulares, o que revela um pequeno contrassenso. Além disto, cada aluno de escola particular que se forma, mas não segue a estratégia definida pelo estado para aquele curso, como por exemplo, atuando com sua profissão fora do país o restringindo sua atuação a projetos que não tenham nenhum envolvimento com a estratégia do estado, está jogando desperdiçando parte ou todo investimento que o estado fez nele.

 Conclusão:

    É possível perceber através desta reformulação que o ensino médio que temos atualmente não está tão distante assim daquele que imaginamos, contudo, alguns detalhes do atual em relação ao que formulamos são primordiais para seu funcionamento. Os detalhes que faltam são justamente os princípios que o Devir Social acredita ser fundamental para a sociedade, que são a responsabilidade que todo cidadão deve ter com a coisa pública, a adição do conceito de “continuidade” para regular a relação entre aluno, escola e familiares, além da responsabilidade de “pares cuidam dos pares”, adicionada através das escolas que os alunos devem fazer durante o seguimento de sua vida escolar, a responsabilidade dos pais e educadores e envolver no processo e também a responsabilidades de todos cuidarem da escola e tornar elas um local familiar através da arte e da melhor utilização de seu espaço público. Também, reduzimos a penalidade para quem reprovar em alguma matéria obrigatória e a dificuldade técnica de todas as matérias, adicionando, em contrapartida, a contextualização local e tecnológica destas matérias e as atividades para o aluno escolher e desenvolver suas habilidades individuais e sociais, ficando a cargo do ensino superior e da família a profissionalização e especialização.

Link para facebook: https://www.facebook.com/DevirSocial/posts/578834475650912

sábado, 5 de novembro de 2016

Devir social: de pares cuidam dos pares ao tribunal de júri

Bem vindos a mais um artigo do Devir Social. Todos que acompanham o blog já têm uma base de que o principal objetivo do pensamento desenvolvido por aqui é buscar ferramentas que combatam a “terceirização da responsabilidade”, e uma das formas que acreditamos para efetuar este combate é através do desenvolvimento do comportamento da fiscalização por parte da sociedade. Também, em outras postagens, chegamos à conclusão que não existe lei capaz de cuidar dos seres humanos: apenas humanos cuidam de humanos, sendo as leis objetos impessoais invocados quando nenhuma outra forma de negociação entre aqueles que se cuidam seja alcançada. Portanto, percebam que existe uma enorme área de negociação entre as relações que cidadãos estabelecem na sociedade e que a lei não tem a menor noção que acontece: isto sempre será assim, afinal, o tempo de resposta de uma lei sempre será inferior ao fato acontecido.

Desta forma, é preciso introduzir a noção de que seres humanos lidam com seres humanos. Mas este pensamento começa a se tornar complexo quanto percebemos que, por motivos mecânicos, alguns seres humanos, que são resultantes de um determinado processo histórico, sequer terão contato direto com seres humanos submetidos a processos históricos diferentes dele. Sendo assim, a afirmação “humanos cuidam de humanos” começa a se tornar frágil e mesmo utópica, pois nem todo humano poderá cuidar de todo humano. Para resolver este problema, adicionamos a definição de “paridade”, de modo que agrupamos pessoas com processos históricos semelhantes ou iguais em um só grupo, que chamaremos de paridade. Através disto, todas as pessoas que pertençam a este grupo são semelhantes e podem cuidar uma das outras. Em outras palavras: elas têm condições semelhantes de modo a possibilitar o diálogo e negociação entre as partes.

Percebam que através deste conceito, o de “pares cuidam dos pares”, a frase “humanos cuidam de humanos”, essencialmente utópica na prática, se torna algo mais factível. Ainda mais, quando adicionamos à camada cultural a esta analise percebemos ainda mais a importância disto ser desta forma. Afinal, pessoas de diferentes culturas têm objetivos e modos de cuidar diferentes, embora nenhum destes necessariamente firam a constituição federal. A principal importância deste conceito está na seguinte máxima advinda da teoria dos três poderes: nenhum agente social deve agir sem ter paridade sob o risco dele se descontrolar ao ponto de se tornar um agente autoritário. Ora, se um agente detém o poder, ele irá explorar este poder até encontrar os limites dele para então dar inicio ao seu crescimento. Se nenhum agente consegue fazer paridade a este poder, eles se tornam escravos sem vontade própria. Ter poder, afinal, é fazer sua vontade ser materializada e com isto encontrar a satisfação. Neste cenário, haverá o agente autoritário satisfeito e os agentes escravos insatisfeitos, mas dominados pela falta de poder.

No cenário desenvolvido acima percebamos uma características importante do sistema de paridade: é a negociação entre pares heterogêneos. Isto porque a paridade pode ser tanto homogênea, como é exemplo de um cidadão lidando com outro cidadão com características econômicas, culturais e políticas semelhantes, ou heterogênea, como é cidadão que lida com o governo. Com isto já percebemos uma relação de paridade fundamental para a construção de uma sociedade nos moldes que agora conhecemos: todo cidadão é par do seu governo. Isto porque todo cidadão tem direito aos serviços de continuidade do estado, pois o estado de direito é único e para todos. Desta forma, é preciso que o cidadão cuide do seu governo para que o governo não se torne autoritário, afinal, o governo em si é um agente social. O governo também precisa cuidar da sociedade, para que nenhum grupo específico de pessoas consiga crescer ao ponto de se tornar autoritário.

O principal interesse do Devir Social é que as relações de cuidado e negociação sejam feitas de maneira livre, e se isto não for possível, que seja feito através da licitude, ou seja, acompanhada do devido processo legal. Sem isto, a violência que deveria ser suficientemente grave no campo no campo da lei evolui a ponto de alcançar o físico, se materializando em criminalidade e mesmo em guerra. Também, é preciso verificar que todo ser humano deve ser respeitado diante a lei, isto por si só já é o suficiente para impedir casos de discriminação de paridades sociais. Esta discriminação acontece de um modo ou outro, independente de ser rotulada ou não. Contudo, é preciso que as paridades pensem em como desenvolver leis e comportamentos para cuidar de todos, inclusive dos seus pares. Se uma determinada classe social, detentora do poder econômico, por exemplo, não deseja dar espaço para outra crescer economicamente, é direito desta que tem vontade de crescer lutar por isso. Se não uma luta por meio dos agentes já detentores dos recursos econômicos, afinal estes são livres e não necessariamente são pares do grupo em questão, por meio do governo, que é par de todos.

Existem mais duas características importantes do sistema de paridade: ele é volátil e comporta a multiplicidade de pares. Ser volátil significa que uma pessoa que pertence a uma paridade pode, através de transformações sociais, pertencer a outra paridade. Afinal, viver é um constante processo de transformação. Alguns propositais, outros não. E sobre ser múltipla, essa característica é facilmente perceptível quando assumimos que o par de todo cidadão é o governo, mas que este mesmo cidadão pertence a uma cultura, economia e política específica, tendo paridade com outras pessoas de acordo com suas necessidades e vontade de atuação. Estas duas características são demais importantes, pois permitem que a diferença e a igualdade convivam em harmonia e em resposta aos elementos voláteis e constantes de cada configuração regional. Cada indivíduo será responsável por cuidar dos seus pares, e isto será feito de modo consciente, não através sistematizações políticas e educacionais ocultas, sem o processo lícito de modo a beneficiar um específico de pessoas sem que o grupo prejudicado seja advertido para que possa reagir. Se não for possível a negociação aberta, que seja possível a negociação lícita.

O sistema de paridade é, além de um dispositivo político-jurídico, um constante alerta a toda a população sobre a responsabilidade de cuidar do próximo e também de si mesmo. Entramos agora em um novo aspecto sobre o sistema de paridade: seu caráter jurídico e utilização no sistema jurídico. O direito já conhece, pelo menos em parte, algumas das propriedades de um tribunal de júri, que é invocado em crimes diretamente ligados com o viver e a violência humana. Ora, percebamos, através desta utilização, embora mal aproveitada segundo a percepção do Devir, que o direito já entende que quem acusa, defende, julga, sentencia e recorre são pessoas. Não existe na lei ou em nenhum outro dispositivo criado pela humanidade a característica de ser capaz de comportar a evolução e a dinâmica do viver humano. Portanto, é essencialmente necessário que humanos averiguem e julguem outros humanos. Também é essencial que isto se faça nos termos da lei, para evitar que a construção social feita em torno dela não seja desvirtuada, corrompida, aparelhada por interesses que não os da continuidade e etc.

“A lei, como já foi dito antes, se torna um objeto de impessoalidade. É a forma que um pensamento ou um comportamento de uma pessoa possa ser reproduzido e utilizado no meio de pessoas que sequer a conhecem pessoalmente. E o objetivo das pessoas que recorrem à utilização da lei como forma de tratamento entre seus pares é utilizar algum instrumento que tem credibilidade ou respeito por ambas as partes para resolver um conflito que elas mesmas não conseguem resolver através da sua liberdade de negociação. Desta forma, é sempre interessante que quem faça as leis observe a linguagem que será utilizada, e quando determinado público não entender tal linguagem, que se utilize do governo como agente confiável e responsável pela continuação como tradutor ou que se disponibilize os meios necessários para que os agentes do conflito possam obter a experiência necessária para ser capaz de compreender os termos ali descritos.”

Ora, colocar tamanha responsabilidade e poder de julgamento na mão só de um juiz é arriscado e também uma concentração de poder. Este juiz pode ser poderoso demais para não ligar e não querer perder sua energia analisando tal caso, como também pode ser fraco demais a ponto de sentir ameaçado por aquele que ele irá condenar de acordo com seu julgamento. Portanto, o tribunal do júri se torna um elemento necessário e essencial para qualquer crime: os pares terão a vontade necessária para analisar os crimes de modo satisfatório como também terão a defesa necessária para se proteger, caso haja algum tipo de retaliação. O tribunal do Júri, na opinião do Devir, é pouco desenvolvido judicialmente, sendo apenas utilizado para casos hediondos ou em casos especiais e específicos. A pergunta que o Devir agora pretende responder é: como fazer um melhor uso do sistema de paridade?

“Os pares cuidam dos pares” se torna, neste caso, “os pares julgam os pares”. Desta forma, o trabalho do judiciário deixará de ser julgar e passará a ser organizar e aplicar toda a estrutura de paridade social no tribunal de forma justiça e mediar o julgamento para que ele ocorra conforme a lei. A começar pela análise do caráter do crime: a quais paridades este crime afeta? Se for a apenas uma, que necessariamente é a paridade que o sujeito do crime pertence, será montado um tribunal homogêneo, apenas preenchido com seus pares. Neste caso, é fácil pensar que isto seria injusto, já que aquelas pessoas são pares a ele e, portanto, irão enviesar seu julgamento por este motivo. Mas isto não se sustenta, tanto porque a própria paridade está interessada no bom-funcionamento das características que a definem, de modo que um crime a isso seria um crime contra seus próprios interesses, como também porque o tribunal é montado de forma justa, e isto inclui o devido distanciamento do acusado pelo crime.

Caso o crime atinja mais paridades, a do criminoso e outra, por exemplo, deverá haver um tribunal de júri misto. Este tribunal precisa ser justo, de modo que todas as paridades ali presentes sejam, também, pares entre si. Por exemplo, em uma batalha clássica de trabalhador contra empresário, um tribunal de júri aceitável implicaria em mais trabalhadores que empresários quantitativamente, já que esta é a realidade da sociedade e também os empresários costumam ser economicamente mais poderosos que os trabalhadores, e o aumento do número de trabalhadores implica em uma maior dificuldade em ameaças ou corrupção a quem dará seu voto. A intenção disto é distribuir a responsabilidade do voto de modo a cada um ter o interesse em votar de acordo com a consciência e também não ter medo de possíveis represarias. Contudo, como elas são pares entre si, o peso da decisão das duas é igual, de modo que a soma de todos da classe de trabalhador dá 50% do veredito, e a soma da classe do operário também dá 50%. Este princípio pode ser induzido para tanto quanto for o número de paridades envolvidas no crime.

Outra característica interessante deste tipo de formação do júri é a possibilidade de maior análise por meio do legislativo. Uma decisão polarizada, por exemplo, aonde haja uma divergência muito grande entre as paridades do júri demonstra um espaço que merece a atenção dos legisladores, sendo este um indicativo muito grande de conflito entre as classes. Diferente, entretanto, de uma decisão também acirrada, mas de forma distribuída entre os júris. Neste caso, é possível interpretar que, ou o caso é realmente complicado para julgar, ou alguma etapa do processo poderia ser aprimorada.  Também, a própria decisão do tribunal do júri irá ter repercussão nas paridades. Afinal, não foi uma pessoa alheia ao cotidiano deles que tomou a decisão, mas sim uma pessoa que é semelhante por qualquer processo de formação ou atuação que seja. Esta repercussão será de primordial importância para trazer o cidadão a cuidar da democracia, tanto para entender a importância da lei como também para se sentir parte do processo judiciário e ético. Afinal, o julgamento, por meio do júri, se torna também um instrumento conscientização e responsabilidade democrática.

Existem algumas características do tribunal do júri que são importantes serem listadas, para que percebamos o quão poderoso este dispositivo é para o combate da terceirização da responsabilidade. Algumas propriedades já foram ditas acima, mas vou repeti-las. Segue:

- Regulagem e distribuição do poder de violência do réu, juiz, júri e acusador: de modo que as chances que algum destes faça um julgamento por meio de intimidação ou corrupção sejam diluídas a ponto de se tornarem desprezíveis.
- Autorreferenciação de julgamento: as chances de empatia com o próximo aumenta de acordo com o quão próximo ele for de você. Desta forma, o júri por paridade coloca o julgador numa posição direta de ser ele quem poderá estar naquele lugar um dia. Isto implica uma maior chance dele valorizar os princípios morais desenvolvidos por ele e seus pares de acordo com sua atuação, o que também fará o julgamento ser mais justo.
- Maior eficiência da moral: como escrito em um dos artigos do Devir, moral é o comportamento médio de um indivíduo que ele acredita que funciona. Quando exposto a casos de crime, se o crime não for julgado de acordo com a moral e a justiça, é possível que aquela pessoa esteja colaborando para a deterioração do próprio ambiente que ela convive com seus pares.  Isto é algo que vai da própria consciência dela, mas é boa a chance da maior parte do público se preocupe com seu cotidiano e deseje fazer um julgamento através da sua moral.
- Maior aproximação das paridades com o sistema político: além de jurídico, legislativo. Entender como funcionam as leis e ver que não é algo que um cidadão não possa interver e cobrar.  Desta forma, haverá um aumento da credibilidade, senso de importância e experiência da população em geral, já que também haverá um grande aumento de participações do júri, com relação às leis e aos poderes do governo. Ainda, o legislativo terá mais informações para desenvolver e aprimorar as leis, tornando todo o processo mais eficiente e satisfatório para a população.
- O julgamento do júri é soberano: de forma que o que for resolvido no tribunal, não possa ser recorrido. Isto irá dar uma enorme celeridade aos processos judiciais, já que a utilização da tática da inserção de uma enorme quantidade de recursos por parte da defesa será inviabilizada ou enfraquecida. Mesmo que um processo envolvendo júri demore mais pra ser organizado e em tempo de duração, espera-se que a decisão cause mais impacto social e seja definitiva, o que de certo irá ser um benefício quando comparada à farra dos recursos que acontece atualmente.
- O tribunal do júri deverá ser lícito: isto significa que deve haver um processo legal que forme o tribunal de modo à prevenir casos que beneficiem especificamente algum envolvido no julgamento.  De modo que, por exemplo: a lista de elegíveis ao júri deva ser estar feita antes do crime; desta lista haverá uma escolha por meio de algum sistema aleatório; as pessoas devem saber que júri ela irá julgá-la caso cometa um crime de determinada ordem; a proporção do júri deve ser adequadamente ajustada; entre outros.

Com o tribunal do Júri, o Devir Social espera que a distribuição de responsabilidade do sistema judiciário seja dividida para a população, sendo assim mais uma porta para que a população assuma a responsabilidade e a experiência do viver social para si. Além disto, a reforma do sistema jurídico é algo de fundamental importância para a reestruturação social, pois em sua situação atual, a população se sente desamparada e não tem nenhuma credibilidade por um dos três importantes poderes reguladores do estado.  Já que os três poderes serem conectados e complementares, é possível supor que a melhoria da participação no jurídico irá também fazê-la compreender a importância de participar dos demais, sem contar que o próprio Devir contempla soluções que pretende impactá-los. Com isto, finalizo este artigo. Um abraço a todos e até a próxima.

Link para facebook: https://www.facebook.com/DevirSocial/posts/572781146256245