terça-feira, 7 de agosto de 2018

A calibragem do todo e da parte

Introdução:
Desde o começo, o Devir Social tem um grande objetivo: provar que não existe nenhuma visão absoluta de sociedade, de modo que o esforço intelectual deva ser exercido não para definir objetivos finais, mas sim para encontrar meios de harmonizar o conviver da sociedade. Este objetivo foi estabelecido diante da observação de que a democracia não está exercendo seu papel de representar as transformações sociais de que o povo deseja, então diante disto, são estabelecidas algumas sugestões de ferramentas democráticas para que se melhore a democracia como um todo.

Inicialmente o Devir Social demonstrou um modelo de calibragem que se baseia numa interpretação do que seria a “liberdade, igualdade e fraternidade”, demonstrando como cada um destes elementos se relaciona com a calibragem de uma sociedade de modo geral. No entanto, o objetivo de hoje é trazer um novo modelo que pode, de maneira mais objetiva, traduzir a democracia como uma ferramenta de calibragem. Este modelo tenta, de algum modo, traduzir as calibragens que ocorrem na cultura e na economia em definições mais gerais, para então criar um plano de configuração no qual a política exerce o papel de determinar como a sociedade se configura.

O plano:
O plano de calibragem política é composto por dois eixos. O vertical é o que será chamado de eixo de sacrifício. O horizontal é o que será chamado de o eixo de interferência. Para entender melhor como estes eixos funcionam, é preciso entender o conceito de “todo” e “parte”. O eixo de sacrifício está relacionado com a cultura e seus processos de renovação, passando, inclusive, pela área jurídica. O eixo de interferência está relacionado com a economia e seus processos de calibragem, passando, inclusive, pelo poder que o executivo tem em interferir na vida individual das pessoas. Portanto, de alguma forma, este modelo já tem em vista as preocupações da reforma jurídica apontadas pelo Devir. Os conceitos de “todo” e “parte” darão condições para que se entenda o porquê desta afirmação.


O todo:
O todo pode ser considerado a forma de poder dominante de uma sociedade. Ele ocupa as posições de poder e é responsável por aplicar as ferramentas das massas sociais. Isto, porque, seu objetivo é manter a sociedade estável, controlando as transformações para que elas não ameacem sua posição de superioridade. Portanto, é lógico pensar que o “todo” tem o conhecimento e recursos para controlar o governo, a mídia e o capital, de modo a articular estas grandes ferramentas de poder para manter sua hegemonia cultural e econômica. Sua concentração de poder é construída através da retirada do poder do próximo através destas diferentes ferramentas. Portanto, embora o “todo” controle a todos, isto não significa que todos estejam satisfeitos. Pelo contrário, sempre haverá as partes insatisfeitas com o “todo”, buscando confrontá-lo, mostrar suas manipulações, contradições e oferecendo novas alternativas para as ferramentas de controle das massas sociais.

A parte:
É possível considerar a parte como todo grupo social que está em condições desfavoráveis diante da hegemonia do todo. Estes grupos são unidos por características econômicas ou culturais geralmente construídas através dos processos históricos. Sua característica principal é a não satisfação com sua posição social, o que os leva a buscar métodos para alterar o fluxo de poder. Embora haja diferentes “partes” envolvidas, a tendência, em uma sociedade em que o “todo” está sob pleno controle de seus poderes sociais, é que as “partes” se unam para fazer oposição ao “todo”. Por isto, de um modo geral, este modelo considera “a parte”, e não as partes, como aquele que exerce a pressão política sobre o todo para a alteração das relações de poder. Existe, no entanto, uma região crítica aonde o “todo” e a “parte” podem se confundir ou se tornar instáveis, geralmente em situações onde a democrática está revolucionando as relações de poder de uma sociedade pode meio de sua calibragem.

Eixos:
Antes de entrar nos eixos propriamente ditos, é preciso entender que ambos os eixos se referem a uma relação de poder entre as partes e o todo. No entanto, quando se entra na região do plano aonde a “parte” domina, seja no eixo de sacrifico ou no eixo de interferência, é possível, se não for entendido bem as possibilidades de configuração de uma sociedade, imaginar que a parte se torne o “todo”. Afinal, ela domina. Mas isto não inteiramente verdade, uma vez que as partes, mesmo possuindo o controle dos mecanismos de controle, podem não encontrar um elemento de unidade central, seja cultural ou econômico. Portanto, sua dominância será efetivada sempre através de negociação entre si e entre o todo, enquanto que o todo, por sua vez, consegue estabelecer esse elemento de unidade central. É possível pensar, por exemplo, no “todo” como um estereótipo ser humano médio de uma sociedade, no qual pelo menos 68% de seus indivíduos se identifiquem plenamente. As outras extremidades que fogem desta identificação são os diferentes grupos sociais da parte, por isso é possível supor que nunca haverá a harmonia que torna a parte no todo.

Eixo de interferência:
Este eixo dita, de um modo geral, o quão legítimo são as ferramentas que o todo pode usar para interferir na parte ou vice-versa, a depender de como se estabelece as relações de poder. Aqui a legitimação se dá através do estado, uma vez que é o estado que possui oficialmente o poder das forças de compensação e tributação, ou, em situações mais extremas, recompensas e punições. Portanto, é possível interpretar que este eixo responda a pergunta: “quem controla o estado?”. Se a parte, é possível imaginar um estado com muitos mecanismos de votação e, portanto, horizontal. Se o todo, é possível imaginar um estado com muitos mecanismos de hierarquia social e, portanto, vertical. Isto porque é possível imaginar que o todo age geralmente em concordância, portanto, naturalmente eles se organizam em hierarquia. Já a parte, por sua vez, age geralmente em discordância, portanto, é preciso resolver seus conflitos através de mecanismos de votação

Eixo de resistência:
Este eixo dita, de um modo geral, o quão a parte resiste ao todo e vice-versa. É natural assumir que quem tiver dominância do eixo de poder de interferência irá querer usá-lo a seu próprio favor. No entanto, ao aplicar esta força, é possível imaginar que quem estiver sofrendo a ação irá desenvolver alguma resistência. Este eixo, portanto, indica o quão forte é esta resistência e quem está resistindo a quem. É possível imaginar uma sociedade, por exemplo, em que o todo aplica força nas partes e as partes resistem pouco, ou vice-versa. Isto tem haver com o quanto cada uma destas forças acredita em sua própria força e encontra caminhos para alcançá-la, ou, de outro modo, o quanto cada uma destas forças está disposta a sacrificar a si mesma com o objetivo de não se submeter a quem está no domínio. Este eixo tem claramente um aspecto mais cultural, uma vez que é a cultura quem dita quais valores são suficientes ou não pra uma população agir.

A má calibragem:
A relação de poder entre o todo e a parte se dá através do ambiente, tecnologia e do contexto histórico ao qual elas estão inseridas. Isto porque o mais natural é se pensar que uma sociedade irá buscar, através da tentativa e erro, alcançar a configuração de maior eficiência e menor resistência. Afinal, se a parte que está submetida a uma força possuir as tecnologias necessárias para submeter à outra a seu próprio poder, a resistência dela será maior. Ou, de outro modo, se a sociedade não souber interferir de modo inteligente em sua própria economia e cultura, ela não será produtiva e sofrerá conseqüências na sua produção. Para tanto, é necessário que estas forças sejam calibradas através de maneira legítima, pois do contrário, toda luta entre estas diferentes forças passará pelo crivo da violência.

Por violência, entende-se tanto a violência natural quanto a violência no direito. Quanto menor for à legitimidade da calibragem, maior será a sensação de violência e corrupção ao qual um povo é submetido. Isto porque a criação de uma ferramenta legítima de calibragem implica em arquitetar as tecnologias conhecidas em uma sociedade através de um estado, em que este estado consiga aplicar as leis de modo que nem a resistência seja forte o suficiente ao ponto de justificar a autodestruição, como violência natural ou vícios destrutivos, nem a interferência seja forte o suficiente ao ponto de permitir que uma força seja absoluta em relação às demais. Isto é necessário para o bom desenvolvimento social, pois do contrário a sociedade não conseguirá se desenvolver de maneira harmônica e contínua.

Conclusão:
Se não desenvolvido melhores ferramentas de calibragem, todo processo de revolução significará em revoltas violentas. Isto é um absurdo para os países desenvolvidos, uma vez que cada ser humano não somente custa o preço de sua alimentação como em outras épocas, mas o preço de seus estudos e de diversos outros processos que o torna útil socialmente. Isto explica, por exemplo, o porquê os países desenvolvidos estão preferido guerras econômicas ao invés de guerras militares entre si. Por outro lado, se tratando da harmonia social interna dos estados, o que se observa que alguns países, geralmente os subdesenvolvidos, não conseguem encontrar um ponto de equilíbrio para seu desenvolvimento interno. Isto implica em situações de constante resistência e, ao mesmo tempo, constante corrupção.

A corrupção, como já dito, é uma violência em nível de estado. Isto significa que existem tecnologias e forças fortes o suficiente que não estão sendo levadas em consideração pelo estado e que conseguem ferir a ele. No final das contas, a resistência tem tecnologia para se manter resistente, mas não para se firmar em promover as transformações sociais necessárias porque a corrupção está constantemente minando o bom funcionamento do estado. Portanto, o maior desafio deste século é buscar um novo formato de estado, que consiga reunir todas as tecnologias conhecidas atualmente de maneira organizada ao equilíbrio das forças. Isto é imperativo para garantir alguma ordem mundial, pois do contrário, os países em desenvolvimento sempre buscarão consumir os recursos dos países subdesenvolvidos para manter satisfeita sua própria população, que de outro modo, entra em revolta, afinal, o próprio país não possui os mecanismos de calibragem necessários para que se mantenha a paz.

É neste sentido que o Devir Social aponta a reforma dos conselhos sociais, como maneira de fazer paridade com os sindicatos e o governo, assim como aponta a reforma do tribunal de júri, para que a própria população, através da votação, consiga harmonizar e imprimir as transformações que ela mesma acredita para si mesma. Afinal, se, por exemplo, imaginarmos que o “todo” é corrupto, mas ele se propaga através do estado e, por extensão, no poder jurídico, de que outra forma é possível reformar o poder jurídico, senão através da própria participação das partes? É possível argumentar que o legislativo é quem tem autoridade sobre o poder jurídico através da construção de leis. No entanto, a premissa do jurídico ser corrupto implica diretamente que o jurídico não respeita seu próprio estado, em conseqüência, não respeita a lei. É preciso que o próprio espírito do povo intervenha para harmonizar o país, e não há outra forma disto acontecer senão através do melhoramento das instituições democráticas.

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sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Análise das autoridades segundo a linguagem dos organismos

Introdução:
Quando se busca alcançar um ideal sobre como as instituições de uma sociedade devem ser, sempre ocorrem divergências. Estas divergências geralmente têm haver com o modo que se deve tratar um indivíduo e quais ferramentas e quais autoridades serão responsáveis por isto. Há uns que defendem a liberdade, outros que defendem a igualdade. Como, entretanto, desenvolver uma visão capaz de comportar os diferentes olhares e atuações dos organismos sociais da nossa sociedade? Para isto usaremos a linguagem dos organismos como uma forma de analisar as principais autoridades da nossa sociedade atual e assim extrair os seus princípios de funcionamento e relacioná-las com o estado, a linguagem das linguagens.

Através da observação empírica do autor deste texto, serão classificadas em três as principais autoridades da nossa sociedade: a política, a científica e a religiosa. A autoridade política é aquela que governa a sociedade e possui o monopólio da violência, utilizando-se da linguagem do estado, que é uma construção histórica. A autoridade científica é aquela que desenvolve as tecnologias e se responsabiliza pelas construções das estruturas materiais da sociedade, exercendo influência sobre a economia. A autoridade religiosa é aquela que estabelece as premissas culturais de uma sociedade exercendo, portanto, uma enorme influência sobre a cultura. Este texto trabalhará em cima de um modelo ideal de sociedade contendo apenas estes três organismos.

Autoridade política:
A autoridade política é construída através do princípio eleitoreiro. Isto significa que o que as autoridades políticas fazem, afinal de contas, é ganhar votos. Na prática, a produção social da autoridade política se resume a duas: a negociação, quando se fala na manutenção de recursos da vida, e da promoção dos valores que a maioria das pessoas acredita, quando falamos da produção social que satisfaz a vida. Estas duas coisas objetivam que a autoridade política ganhe voto para continuar no poder, que é quando os indivíduos que estão nesta autoridade conseguem os recursos para a manutenção da sua própria vida e satisfação pessoal.

Acerca da produção social da promoção dos valores da maioria, é possível perceber isto de forma bastante reforçada através da promoção de festas, quando se trata de públicos cujo principal valor é o consumo natural, ou através da promoção de debates em torno de ideologias, quando se trata de públicos cujo principal valor é a produção de verdades naturais. Através disto se origina o processo de negociação aonde os grupos interessados por uma consequência específica de uma determinada visão investe ou não em um político. A linguagem política, por sua vez, comporta este tipo de ação, uma vez que a democracia permite a articulação entre grupos para a promoção de seus próprios interesses, que serão resolvidos através do voto.

Por ideologia, neste texto, entende-se o conjunto de premissas que pode ter origem ou em modelos naturais ou em modelos espirituais, mas cuja comprovação científica ainda não está determinada, seja porque não foi implementada, seja porque possuí características à elementos mutáveis, como a satisfação das pessoas. No entanto, cada ideologia interessa a um grupo em específico, e promovê-las significa modelar a sociedade para que beneficie mais a um que outro. Presumir uma ideologia que beneficie a todos igualmente seria assumir que todos são iguais materialmente e espiritualmente.

Autoridade científica:
A autoridade científica é construída através do princípio da busca pela verdade. Isto é feito através do método científico, que é um conjunto de técnicas que busca testar o quão falsa uma hipótese é. Por quanto mais testes científicos uma hipótese passa, menor a chance de ela ser falsa. No entanto, o que se prova é que uma ideia não é falsa, não que ela é verdadeira. Assim sendo, as autoridades científicas não devem ter o interesse de sustentar uma verdade, mas sim de promover a busca pela descoberta, para que o ser humano conheça cada vez melhor a natureza que está em torno de si. Obviamente, o método científico é um conjunto de técnicas da natureza, da matéria, podendo, portanto, somente ser aplicada para assuntos da própria natureza.

A produção social da autoridade científica é a tecnologia. Através dela, o ser humano obtém ferramentas mais eficientes para seu próprio desenvolvimento. Isto influencia na manutenção da vida já que algumas questões só podem ser facilmente resolvidas com as ferramentas adequadas. Por outro lado, a autoridade científica também é responsável por fomentar nas pessoas o interesse de descobrir. Afinal, se a ciência se reduzir simplesmente a desenvolver tecnologias, o conhecimento de base pode ficar estático e as tecnologias podem parar de evoluir. Portanto, a autoridade científica encontra satisfação em descobrir hipóteses que avancem na fronteira do conhecimento humano e que não são falseadas pelo método científico, sendo esta, também, uma produção social da ciência.

Assim sendo, é preciso que as autoridades científicas valorizem sua própria ética de funcionamento. Isto porque, sendo ela aquela que valida as verdades científicas, estando ela interessada em outros valores que não sua ética, é possível que verdades não tão científicas sejam divulgadas através dela, o que pode promover crise social à longo prazo. Afinal, é a ciência que valida, para o estado, as tecnologias que podem ser massificadas através do investimento público. O estado também se relaciona com a ciência através do financiamento, pois, sem desenvolvimento tecnológico, a produção da sociedade pode se estagnar.

Autoridade religiosa:
A autoridade religiosa é construída através das declarações de fé. Sendo fé premissas espirituais, ou seja, que não tem origem na matéria, é impossível aplicar o método científico na fé. Além disto, é impossível obrigar a alguém que siga sua própria fé já que ela precisa vir do interior do indivíduo. Do contrário, a fé se torna uma ferramenta social, podendo, portanto, se tornar passível ao uso de técnicas científicas e políticas. Se isto acontecer, haverá uma desarmonia entre a relação dos organismos sociais. O que se espera é que a autoridade religiosa promova sua fé, através da propagação da sua palavra, e que seu exemplo insira naquela pessoa a mesma certeza interna de que, aquilo que se anuncia, é verdadeiro.

A linguagem religiosa tem em si os mecânicos que garante sua própria manutenção da vida, e todos eles se baseiam no convencimento. Além disto, a produção social da autoridade religiosa é a adoração, o estado no qual os indivíduos encontram satisfação e paz interna. Para isto, no entanto, é preciso que os indivíduos inseridos na linguagem religiosa estejam de acordo com o que ela diz, o que produz um efeito material nos indivíduos como um todo, impactando na relação cultural entre os organismos. Desenvolver provas científicas para avaliar se um indivíduo está ou não de acordo com o que ele diz pode ser praticamente impossível. Portanto, o que vale é o testemunho interior de cada um.

Muitas vezes na história a religião se solidificou a tal ponto que dominou a política e ciência. Isto significa que ela desenvolveu ferramentas mecânicas de controle, que fazem com que os indivíduos profiram sua fé não por meio da revelação interna, mas por mecanismos externos que causam medo ou prazer, de modo a obter, através disto, o controle político. No entanto, modernamente, isto não mais se sustenta, uma vez que nosso desenvolvimento tecnológico chegou a tal ponto que controlar mecanicamente um indivíduo se tornou impossível, afinal, atualmente, uma sociedade cujos indivíduos não saibam ler, e, portanto, tenham autonomia, não tem condições de ter um alto nível de produção social quando comparada à outras.
  
Conclusão:
Na prática, é impossível separar completamente a influencia que uma destas autoridades tem sobre a outra. No entanto, entende-se que esta influência deva ser não-determinística. Isso significa que não existe nenhuma construção oficial de comunicação ou negociação entre um tipo de autoridade ou outra, porque uma vez existindo, isto adiciona autoridade no comportamento de ambas às autoridades, qualquer que forem elas. A própria história dá diversos exemplos de conflitos que surgiram ao tentar unir ciência, religião e política, em qualquer a combinação dois-a-dois. Cada uma destas autoridades tem um papel decisivo para o equilíbrio da sociedade e seus organismos, portanto, o estado reconhecê-los e incentivá-los de modo que eles façam bem seu papel e não permitir a construção de canais oficial entre eles é fundamental para uma sociedade equilibrada e harmônica.

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Linguagem dos organismos sociais

Introdução:
Esta construção nasceu através da observação dos grupos sociais e de como eles se consolidam. Houve a percepção que a “linguagem” é o principal meio pelo qual o grupo se torna coeso, mas para que haja uma linguagem, é preciso uma “autoridade” que a exerça para que haja uma “produção social”. Com a produção social, esse organismo se relaciona com a sociedade, obtendo seu sustendo e fornecendo sua produção à outros organismos, de modo que os membros da sociedade consigam se especializar para obter maior produtividade de um modo geral.

Assim sendo, houve o interesse de estudar mais precisamente o que significa “linguagem”, “autoridade” e “produção social”, de modo que, no final da análise, é possível perceber que estes elementos são suficientes para estruturar os organismos sociais e determinar suas características. Assim, será possível compreender sua função e delimitar com mais precisão o que é válido ou não na sua atuação por meio de seus indivíduos. O objetivo deste texto é, portanto, diminuir a confusão de quais operações efetuadas pelos organismos são ou não coerentes com sua construção e validadas pelo o que futuramente chamaremos de “linguagem das linguagens”.

Linguagem:
A linguagem é o instrumento de impessoalidade que os indivíduos utilizam para que um determinado comportamento possa ser propagado com eficácia e precisão. Afinal, um comportamento originado por um indivíduo, ao ser passado para outro, acaba recebendo imprecisões. Este outro, ao passar para o próximo, pode aumentar ainda mais a imprecisão de modo que, no final, o comportamento se altere tanto que o indivíduo o iniciou não o reconheça. Portanto, é a linguagem o elemento que mantém o grupo coeso e coerente, pois é através dela que também os comandos são dados pela autoridade para o corpo do organismo, para que ele se mobilize como necessário para atingir a produção social desejada.

A linguagem pode ser dividida em duas partes: a ética, que pode ser comparada a gramática, e a simbólica, que pode ser comparada ao dicionário. A ética é o conjunto de comportamentos que aquela linguagem consegue reconhecer. Uma vez reconhecida, a linguagem consegue determinar, através de suas regras, se aquele comportamento é aprovado ou não. Quando um comportamento novo é efetuado pelo organismo, a linguagem trata de observá-lo em relação a sua produção social para poder reconhecê-lo como aprovável, caso ele contribua para melhorar a produção social, ou reprovável, caso ele atrapalhe a produção social. Deste modo, a ética se assemelha bastante a gramática, pois ela diz como o organismo deve se comportar para que sua linguagem atinja seu objetivo.

A simbólica é a parte da linguagem responsável por comunicar aos integrantes sua identidade e seu modo de produzir dentro daquele organismo. Isto porque um organismo pode ser bastante complexo, contendo diversas especializações. É a linguagem simbólica que determina a responsabilidade de cada especialização para a produção social como um todo do organismo, de modo que cada integrante consiga reconhecer a necessidade da outra parte, de modo a aceitar a divisão de recursos com ele, embora só saiba, na prática, produzir aquilo que ele é responsável. Ou seja: enquanto a ética é uma regra geral sobre qual todo o organismo é submetido, sendo exercitada, o símbolo é utilizado para gerar consciência de unidade no organismo, sendo estático.

Autoridade:
A autoridade de um organismo social são os indivíduos responsável pela produção social daquele organismo. Esta autoridade é organizada através de hierarquia, aonde quanto mais ao topo, maior a responsabilidade da construção simbólica e ética da linguagem, enquanto que quanto mais à base, maior a responsabilidade pela construção mecânica da produção social. Sobre uma interpretação geral todos podem ser considerados autoridades, já que mesmo a base é sobre sua produção e precisa respeitar o comando de seus superiores. O topo é autoridade sobre outras autoridades e, embora não receba ordem, precisa respeitar a realidade para o bom funcionamento do organismo. Existem várias formas de mecanismos de governo como reinado, democracia, meritocracia, etc.

Toda autoridade tem o compromisso com sua produção e precisa receber recursos para sua própria manutenção. Assim sendo, a própria linguagem costuma ter mecanismos de distribuição de recursos, de punição, de recompensa e de promoção, para aqueles que mais se comprometem a conhecer, aprimorar e a realizar aquela produção social. A produção social que ela produz é o recurso de outros organismos, assim como os recursos que ela recebe é a produção social de algum outro organismo. Desta forma, idealmente, há negociação entre as autoridades para que seja justa a troca de suas produções de modo que a sociedade consiga viver em harmonia, sem que nenhuma autoridade carregue peso demais sobre si e de modo que todo organismo consiga prosperar, ou seja, seus indivíduos consigam utilizar os recursos adquiridos para desenvolver suas vidas de modo que os satisfaça.

Outro aspecto importante da autoridade diz respeito a sua capacidade de adaptar a linguagem para as variações ambientais que aquele organismo pode sofrer. Já foi escrito neste blog que a própria linguagem passa por um processo de evolução, através da sofisticação de seus símbolos e éticas em relação à produção social. Mas também é preciso levar em consideração que todo ambiente sofre alterações, tanto por fatores ambientais quanto também pela atuação de outros organismos sociais. Desta forma, é preciso haver um equilíbrio entre aquilo que a linguagem é capaz de descrever e aquilo que a autoridade é permitida criar. Do contrário, poderia haver a pretensão de que a linguagem fosse capaz de explicar tudo, mas quanto maior a precisão de uma linguagem, maior a sua complexidade e mais recursos são gastos para que ela seja estabelecida, exercitada e propagada aos demais indivíduos.

Uma autoridade é estabelecida através de princípios. Os princípios estão inseridos na ética da linguagem, e geralmente são os comportamentos mais básicos necessários à validação da produção social pela linguagem das linguagens. É permitido a uma autoridade criar, a medida da liberdade definida por seus superiores e desde que não se contradiga com nenhum princípio. Do contrário, se torna uma atitude antiética, de modo que não é válida, podendo trazer prejuízo ao organismo social como um todo, como a retaliação por parte dos outros organismos sociais ou a desorganização do equilíbrio da própria sociedade. Quanto maior o grau de autoridade, maior deve ser a responsabilidade para com os princípios, pois maior também é a liberdade de criação.

Produção social:
Todo organismo social é formado por indivíduos unidos por uma linguagem com o objetivo de obter alguma produção social. Esse organismo social pode ser composto por um indivíduo ou milhares. Cada indivíduo é um ser humano, portanto, tem necessidades a serem cumpridas, como por exemplo, a manutenção da sua vida. Em especial, existe uma necessidade a ser alcançada, que é a satisfação de sua existência. Portanto, toda produção social está relacionada ou com a manutenção da vida ou com a satisfação da existência humana. Deste modo, todo organismo social deve ser capaz de obter uma produção social, para que com ela, ele possa estabelecer relações com os demais organismos a fim de obter os recursos necessários para suprir a si próprio.

Um exemplo básico pra entender isso é se pensar um organismo que é especializado em produzir manutenção da vida, outro especializado em produzir satisfação de existência. Um sem a produção social do outro não existiria. De igual maneira acontece na sociedade, porém, com um nível de complexidade muito maior. As técnicas e ferramentas utilizadas pelos organismos para que eles produzam fazem parte do dicionário, assim a própria linguagem instrui no processo de produção. A cada nova tecnologia descoberta pela sociedade possibilita o processo de renovação dos organismos, através da modernização da linguagem, que nada mais é que atualizar a linguagem para dar suporte as novas tecnologias e, assim, haver um ganho de produtividade. No entanto, é preciso também levar em consideração as questões éticas da linguagem, uma vez que novas tecnologias implicam em novas relações, que podem não ser saudáveis para o corpo do organismo como um todo.

organismos sociais e a moral:
Este modelo de análise dos organismos sociais permite uma interpretação própria acerca do que é moral, que se segue: moral é a relação entre aquilo que uma autoridade anuncia e sua produção social. Isto significa que, se alguma autoridade der algum tipo de ordem ou de informação e sua produção social de algum modo indica que ele tem verdade naquilo que ele diz, então ele tem moral no seu anuncio. Se, por outro lado, sua produção social demonstra que aquilo que ele diz não é verdadeiro, então ele não tem moral. Pode ainda ser o caso de algum anuncio ser isento de moral, uma vez que não seja possível estabelecer ligação entre a produção social e o anuncio. No entanto, é possível assumir que tudo que um indivíduo fala tem como objetivo transformar alguma coisa, e se aquele indivíduo deseja transformar através do que ele diz, é porque ele tem alguma fonte de informação que o indica que aquilo é possível. Portanto, toda comunicação deve ser passível de análise moral.

O estado e a linguagem das linguagens:
Diante da complexidade dos organismos sociais, é preciso organizá-los em torno de seu território geográfico de modo que não ocorram abusos e nem exploração insustentável dos recursos naturais daquele território. Afinal, havendo demais abusos de um organismo em relação aos demais, pode ocorrer revoluções. Já se houver exploração demais pode haver falência daquele território. Portanto, com o objetivo de estabelecer uma relação harmônica entre os vários organismos, é comum observar, através de diversos processos históricos, o surgimento daquilo que chamamos de estado, cuja linguagem é chamada de “a linguagem das linguagens”.

Este nome é dado porque o estado contém em si os mecanismos para estimular ou desestimular qualquer outro organismo dentro do seu território. Não somente isto, como também tem o potencial de incentivar a criação de novos organismos mediante as necessidades futuras. Assim, é um organismo que se relaciona com os demais, calibrando-os para o bem comum da sociedade através dos dispositivos da sua linguagem. Isto significa, também, que a produção social do estado é regular a produção social dos outros organismos sociais. No estado representativo democrático, todo cidadão é uma autoridade cuja produção social básica é o direito de voto. Através das eleições, autoridades representativas são escolhidas e assim a estrutura hierárquica é construída.

No entanto, através disto, é possível perceber que um mesmo indivíduo pode fazer parte de vários organismos sociais. Ou seja: ele tem a capacidade de múltipla produção social. Parte do seu dia, por exemplo, ele pode se dedicar a produção social de manutenção da vida, outra parte do seu tempo ele pode buscar colaborar com a produção do seu estado. Nos fins de semana, ele pode satisfazer-se, consumindo a produção social que satisfaz a vida. Assim, este texto entende que todo indivíduo, numa visão moderna de sociedade, possui várias responsabilidades. Quanto maior for sua responsabilidade para determinado a gente social, espera-se que menor será sua responsabilidade para os demais organismos. Porém, de algum modo, é possível pensar que cada indivíduo se relaciona com todos os organismos sociais, nem que seja através da sua relação com o estado.

Um questionamento que surge é o seguinte: existe alguma produção social que não faz parte da linguagem das linguagens. Se sim, como ela existe? Afinal, se ela for muito benéfica à sociedade, é natural que o estado buscará estabelecer uma relação com ela. Se ela for maléfica, naturalmente, o estado irá combatê-la. Se, porém, o estado mantém alguma produção social, mas esta produção social em nada contribui para sociedade, o natural é que o estado pare de mandar recursos para tal produção, de modo que ela acabe morrendo. No entanto, se aquela produção social for importante para o estado, ou seja, para manter o equilíbrio entre todos os demais organismos, mas o estado para de nutri-la, então todos saem prejudicados.

Neste último caso se fundamenta a importância do estudo histórico dos organismos sociais, uma vez que é possível que haja organismos que sejam importantes para manter o equilíbrio da sociedade, mas que, por si mesmos, não conseguem existir. O estudo da história destes organismos é necessário porque uma população que não entende o porquê de determinada instituição naturalmente irá desejar que ela seja descontinuada. No entanto, sua descontinuidade representa um retrocesso social, uma vez que existiu um fato que motivou sua criação. Por isto a importância de ter uma linguagem das linguagens, que contenha em si também os aspectos históricos, e que isto seja amplamente conhecida por todos os cidadãos, que, afinal, são as autoridades do estado.

A linguagem das linguagens e a corrupção:
Para esta abordagem de organismos sociais, corrupção é toda linguagem de linguagens que não é o estado. Ou seja: todo organismo cuja produção social é beneficiar ou prejudicar outros organismos sociais e que não se submete a linguagem do estado é um organismo corrupto. Isto porque ele esta exercendo a mesma função que o estado, no entanto, sem a permissão clara dos demais organismos. Isto implica que um determinado organismo pode contratar os serviços desse organismo corrupto para beneficiar a si próprio em detrimento de vários outros organismos, que se prejudicam e não sabem o porquê. Isto claramente leva a cenário caótico e selvagem, já que os organismos começam a desenvolver a desconfiança uns pelos outros, começando a preocuparem-se mais com manter a segurança de suas produções do que em produzir propriamente aquilo que são responsáveis.

Ainda, devido ao clima de desconfiança, o estado começa a perder sua credibilidade e mesmo sua própria produção. Este enfraquecimento do estado implica em uma menor capacidade de sua produção social, seja articulando, punindo ou beneficiando os demais organismos, mediante ao necessário para o bom desenvolvimento de todos os indivíduos daquele território. Isto gera um clima de desconfiança e desunião, e logo as pessoas começam a entrar num estado anárquico, pois a linguagem das linguagens não é mais capaz de uni-las em torno de seu território. Em outras palavras, o estado perde sua moral. Com a moral do estado em baixa, com a produção social dos organismos menos eficazes, é natural que o clima de insatisfação comece a se instalar. Se nada for feito, pressupõe-se que esta sociedade entrará em crise, passando por grandes revoltas e possivelmente guerras civis.

Conclusão:
Através deste material, espera-se que fique claro a importância de entender melhor como é importante que todo indivíduo tenha consciência da produção social de todos os organismos da sua sociedade. Além disto, aqui foram lançadas as bases teóricas para futuramente analisar algumas autoridades de modo que pode ser muito útil para a resolução de certos conflitos éticos da nossa sociedade atualmente. Através da organização conceitual das autoridades, suas linguagens e produções, a saber, a política, a religiosa e a científica, espera-se que haja muito mais harmonia na construção dos organismos sociais da sociedade, de modo a promover uma melhor satisfação a todos que nela estão inseridos.

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