terça-feira, 7 de agosto de 2018

A calibragem do todo e da parte

Introdução:
Desde o começo, o Devir Social tem um grande objetivo: provar que não existe nenhuma visão absoluta de sociedade, de modo que o esforço intelectual deva ser exercido não para definir objetivos finais, mas sim para encontrar meios de harmonizar o conviver da sociedade. Este objetivo foi estabelecido diante da observação de que a democracia não está exercendo seu papel de representar as transformações sociais de que o povo deseja, então diante disto, são estabelecidas algumas sugestões de ferramentas democráticas para que se melhore a democracia como um todo.

Inicialmente o Devir Social demonstrou um modelo de calibragem que se baseia numa interpretação do que seria a “liberdade, igualdade e fraternidade”, demonstrando como cada um destes elementos se relaciona com a calibragem de uma sociedade de modo geral. No entanto, o objetivo de hoje é trazer um novo modelo que pode, de maneira mais objetiva, traduzir a democracia como uma ferramenta de calibragem. Este modelo tenta, de algum modo, traduzir as calibragens que ocorrem na cultura e na economia em definições mais gerais, para então criar um plano de configuração no qual a política exerce o papel de determinar como a sociedade se configura.

O plano:
O plano de calibragem política é composto por dois eixos. O vertical é o que será chamado de eixo de sacrifício. O horizontal é o que será chamado de o eixo de interferência. Para entender melhor como estes eixos funcionam, é preciso entender o conceito de “todo” e “parte”. O eixo de sacrifício está relacionado com a cultura e seus processos de renovação, passando, inclusive, pela área jurídica. O eixo de interferência está relacionado com a economia e seus processos de calibragem, passando, inclusive, pelo poder que o executivo tem em interferir na vida individual das pessoas. Portanto, de alguma forma, este modelo já tem em vista as preocupações da reforma jurídica apontadas pelo Devir. Os conceitos de “todo” e “parte” darão condições para que se entenda o porquê desta afirmação.


O todo:
O todo pode ser considerado a forma de poder dominante de uma sociedade. Ele ocupa as posições de poder e é responsável por aplicar as ferramentas das massas sociais. Isto, porque, seu objetivo é manter a sociedade estável, controlando as transformações para que elas não ameacem sua posição de superioridade. Portanto, é lógico pensar que o “todo” tem o conhecimento e recursos para controlar o governo, a mídia e o capital, de modo a articular estas grandes ferramentas de poder para manter sua hegemonia cultural e econômica. Sua concentração de poder é construída através da retirada do poder do próximo através destas diferentes ferramentas. Portanto, embora o “todo” controle a todos, isto não significa que todos estejam satisfeitos. Pelo contrário, sempre haverá as partes insatisfeitas com o “todo”, buscando confrontá-lo, mostrar suas manipulações, contradições e oferecendo novas alternativas para as ferramentas de controle das massas sociais.

A parte:
É possível considerar a parte como todo grupo social que está em condições desfavoráveis diante da hegemonia do todo. Estes grupos são unidos por características econômicas ou culturais geralmente construídas através dos processos históricos. Sua característica principal é a não satisfação com sua posição social, o que os leva a buscar métodos para alterar o fluxo de poder. Embora haja diferentes “partes” envolvidas, a tendência, em uma sociedade em que o “todo” está sob pleno controle de seus poderes sociais, é que as “partes” se unam para fazer oposição ao “todo”. Por isto, de um modo geral, este modelo considera “a parte”, e não as partes, como aquele que exerce a pressão política sobre o todo para a alteração das relações de poder. Existe, no entanto, uma região crítica aonde o “todo” e a “parte” podem se confundir ou se tornar instáveis, geralmente em situações onde a democrática está revolucionando as relações de poder de uma sociedade pode meio de sua calibragem.

Eixos:
Antes de entrar nos eixos propriamente ditos, é preciso entender que ambos os eixos se referem a uma relação de poder entre as partes e o todo. No entanto, quando se entra na região do plano aonde a “parte” domina, seja no eixo de sacrifico ou no eixo de interferência, é possível, se não for entendido bem as possibilidades de configuração de uma sociedade, imaginar que a parte se torne o “todo”. Afinal, ela domina. Mas isto não inteiramente verdade, uma vez que as partes, mesmo possuindo o controle dos mecanismos de controle, podem não encontrar um elemento de unidade central, seja cultural ou econômico. Portanto, sua dominância será efetivada sempre através de negociação entre si e entre o todo, enquanto que o todo, por sua vez, consegue estabelecer esse elemento de unidade central. É possível pensar, por exemplo, no “todo” como um estereótipo ser humano médio de uma sociedade, no qual pelo menos 68% de seus indivíduos se identifiquem plenamente. As outras extremidades que fogem desta identificação são os diferentes grupos sociais da parte, por isso é possível supor que nunca haverá a harmonia que torna a parte no todo.

Eixo de interferência:
Este eixo dita, de um modo geral, o quão legítimo são as ferramentas que o todo pode usar para interferir na parte ou vice-versa, a depender de como se estabelece as relações de poder. Aqui a legitimação se dá através do estado, uma vez que é o estado que possui oficialmente o poder das forças de compensação e tributação, ou, em situações mais extremas, recompensas e punições. Portanto, é possível interpretar que este eixo responda a pergunta: “quem controla o estado?”. Se a parte, é possível imaginar um estado com muitos mecanismos de votação e, portanto, horizontal. Se o todo, é possível imaginar um estado com muitos mecanismos de hierarquia social e, portanto, vertical. Isto porque é possível imaginar que o todo age geralmente em concordância, portanto, naturalmente eles se organizam em hierarquia. Já a parte, por sua vez, age geralmente em discordância, portanto, é preciso resolver seus conflitos através de mecanismos de votação

Eixo de resistência:
Este eixo dita, de um modo geral, o quão a parte resiste ao todo e vice-versa. É natural assumir que quem tiver dominância do eixo de poder de interferência irá querer usá-lo a seu próprio favor. No entanto, ao aplicar esta força, é possível imaginar que quem estiver sofrendo a ação irá desenvolver alguma resistência. Este eixo, portanto, indica o quão forte é esta resistência e quem está resistindo a quem. É possível imaginar uma sociedade, por exemplo, em que o todo aplica força nas partes e as partes resistem pouco, ou vice-versa. Isto tem haver com o quanto cada uma destas forças acredita em sua própria força e encontra caminhos para alcançá-la, ou, de outro modo, o quanto cada uma destas forças está disposta a sacrificar a si mesma com o objetivo de não se submeter a quem está no domínio. Este eixo tem claramente um aspecto mais cultural, uma vez que é a cultura quem dita quais valores são suficientes ou não pra uma população agir.

A má calibragem:
A relação de poder entre o todo e a parte se dá através do ambiente, tecnologia e do contexto histórico ao qual elas estão inseridas. Isto porque o mais natural é se pensar que uma sociedade irá buscar, através da tentativa e erro, alcançar a configuração de maior eficiência e menor resistência. Afinal, se a parte que está submetida a uma força possuir as tecnologias necessárias para submeter à outra a seu próprio poder, a resistência dela será maior. Ou, de outro modo, se a sociedade não souber interferir de modo inteligente em sua própria economia e cultura, ela não será produtiva e sofrerá conseqüências na sua produção. Para tanto, é necessário que estas forças sejam calibradas através de maneira legítima, pois do contrário, toda luta entre estas diferentes forças passará pelo crivo da violência.

Por violência, entende-se tanto a violência natural quanto a violência no direito. Quanto menor for à legitimidade da calibragem, maior será a sensação de violência e corrupção ao qual um povo é submetido. Isto porque a criação de uma ferramenta legítima de calibragem implica em arquitetar as tecnologias conhecidas em uma sociedade através de um estado, em que este estado consiga aplicar as leis de modo que nem a resistência seja forte o suficiente ao ponto de justificar a autodestruição, como violência natural ou vícios destrutivos, nem a interferência seja forte o suficiente ao ponto de permitir que uma força seja absoluta em relação às demais. Isto é necessário para o bom desenvolvimento social, pois do contrário a sociedade não conseguirá se desenvolver de maneira harmônica e contínua.

Conclusão:
Se não desenvolvido melhores ferramentas de calibragem, todo processo de revolução significará em revoltas violentas. Isto é um absurdo para os países desenvolvidos, uma vez que cada ser humano não somente custa o preço de sua alimentação como em outras épocas, mas o preço de seus estudos e de diversos outros processos que o torna útil socialmente. Isto explica, por exemplo, o porquê os países desenvolvidos estão preferido guerras econômicas ao invés de guerras militares entre si. Por outro lado, se tratando da harmonia social interna dos estados, o que se observa que alguns países, geralmente os subdesenvolvidos, não conseguem encontrar um ponto de equilíbrio para seu desenvolvimento interno. Isto implica em situações de constante resistência e, ao mesmo tempo, constante corrupção.

A corrupção, como já dito, é uma violência em nível de estado. Isto significa que existem tecnologias e forças fortes o suficiente que não estão sendo levadas em consideração pelo estado e que conseguem ferir a ele. No final das contas, a resistência tem tecnologia para se manter resistente, mas não para se firmar em promover as transformações sociais necessárias porque a corrupção está constantemente minando o bom funcionamento do estado. Portanto, o maior desafio deste século é buscar um novo formato de estado, que consiga reunir todas as tecnologias conhecidas atualmente de maneira organizada ao equilíbrio das forças. Isto é imperativo para garantir alguma ordem mundial, pois do contrário, os países em desenvolvimento sempre buscarão consumir os recursos dos países subdesenvolvidos para manter satisfeita sua própria população, que de outro modo, entra em revolta, afinal, o próprio país não possui os mecanismos de calibragem necessários para que se mantenha a paz.

É neste sentido que o Devir Social aponta a reforma dos conselhos sociais, como maneira de fazer paridade com os sindicatos e o governo, assim como aponta a reforma do tribunal de júri, para que a própria população, através da votação, consiga harmonizar e imprimir as transformações que ela mesma acredita para si mesma. Afinal, se, por exemplo, imaginarmos que o “todo” é corrupto, mas ele se propaga através do estado e, por extensão, no poder jurídico, de que outra forma é possível reformar o poder jurídico, senão através da própria participação das partes? É possível argumentar que o legislativo é quem tem autoridade sobre o poder jurídico através da construção de leis. No entanto, a premissa do jurídico ser corrupto implica diretamente que o jurídico não respeita seu próprio estado, em conseqüência, não respeita a lei. É preciso que o próprio espírito do povo intervenha para harmonizar o país, e não há outra forma disto acontecer senão através do melhoramento das instituições democráticas.

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