segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Função social da violência para o Devir Social

Podemos definir a violência como o uso da força para a quebra de um sistema previamente estabelecido. A violência física, por exemplo, danifica os sistemas corporais e causa risco ao viver humano. A violência verbal danifica a imagem social de uma pessoa, associando-a com coisas negativas e também prejudicando seu viver. A violência das leis é ignorá-las e fazer aquilo que se quer, tendo como consequência a abertura para outras violências e a não contemplação dos objetivos pelo qual aquela lei foi produzida. A violência da verdade é a mentira. A violência nunca é desejada pelos agentes vivos, traz danos inesperados, nem sempre é efetiva, costuma ser acompanhada por respostas também violentas e mesmo pode trazer a morte, então porque ela acontece?

A maior característica de todo ser vivo é querer estar satisfeito com sua vida. Para tanto, ele desenvolve leis, sistemas, regras de comportamento, e tudo mais necessário para que a vida se torne previsível e confortável, para que as coisas possam ser feitas às claras, sem o uso de violência e através da verdade. Se ele está insatisfeito com alguma coisa, ele irá utilizar todos os recursos a sua disposição para modificar aquilo até sua satisfação ser alcançada, são exemplos destes recursos: o diálogo, a negociação, a espera e a justiça. Porém, o que ele irá fazer quando ele acreditar que nada mais poderá trazer sua satisfação além da violência?

Ora, na maioria dos casos ela irá violentar. Percebam que a maior violência que todo ser vivo pode cometer é tirar sua própria vida, pois isto implica em não acreditar na própria existência. Se uma pessoa está insatisfeita o suficiente a ponto de desejar utilizar a violência em busca da satisfação, ela irá buscar aonde aplicar sua violência antes de tirar sua própria vida. Durante seu processo de busca, ela irá buscar o alvo aonde acredita que, com o uso da sua violência, seja capaz de trazer algum benefício para si e para seus semelhantes. Deste modo, todos os insatisfeitos são potenciais agentes violentadores e quanto maior a insatisfação, maior a vontade de sacrificar a própria vida em busca da mudança. Porém, há outro fator que regula esta relação: o quanto uma pessoa acredita que a mudança irá trazer satisfação para si e seus semelhantes.

Isto é fácil notar através da percepção que existem pessoas que passam a maior parte da vida insatisfeitas, com vontade de sacrificarem-se por uma causa nobre, mas sem capacidade de utilizar este potencial de violência por não acreditar em nenhuma mudança que lhes é apresentada. Já outras, embora não sejam tão insatisfeitas assim, acreditam fortemente em uma mecânica de mudança apresentada ou criada por elas, de modo que passam a violentar o que existe, mesmo sem estar disposto a sacrificar sua própria vida para dar origem a aquilo que elas acreditam. A violência, neste ponto, se torna um mecanismo de negociação no nível mais profundo do viver para instalação de novos comportamentos quando estes não conseguem encontrar outras vias para se instalarem.

Durante um processo de negociação violento, os agentes que assumem este papel devem estar cientes da responsabilidade e do risco de uso. Por exemplo, a polícia, na maioria das sociedades, tem como função vigiar seus cidadãos para que eles não utilizem de violência física ou infração de leis para ganhar vantagens ou lutar pelo que se acredita. Contudo, se o próprio sistema não dá ao cidadão um meio legal para ele alcançar o que ele acredita, ele irá utilizar a violência para tanto. Será dele a responsabilidade de se arriscar contra aquele sistema, que de imediato acionará a polícia. A polícia cumprirá sua função social, que é conter a violência. Afinal, a transformação acreditada por aquela violência pode ser realmente benéfica, mas não há como saber antes que a transformação realmente tenha ocorrido.

Um exemplo prático: numa cidade o sistema político está muito lento por preguiça de seus administradores. Nesta cidade, também, há um hospital publico cujos médicos não estão atendendo. Um determinado morador tentou utilizar todas as vias possíveis para que esta situação seja regularizada, mas nada foi feito. A população indignada que precisou daquele hospital é convocada por esse cidadão para protestar por vias legais. Mas este tipo de protesto não prevê nenhum prejuízo para ninguém e passa despercebido por todos. Por fim, este cidadão tem a opção de utilizar a violência para alcançar seus objetivos.

Resolve parar o transito daquela cidade e assim gera um desconforto que prejudica a prefeitura.  Esta, que antes não se preocupava com aquela pequena causa, se vê obrigada a negociar, caso contrário ele não para. A polícia logo se prontifica para capturá-lo, mas ele e seu grupo conseguem fugir de todos os protocolos de violência da polícia. Ora, um dia eles não vão conseguir, pois a polícia irá estabelecer novos protocolos para capturá-los, mas durante esse processo de negociação, quem irá ceder primeiro? Ele e seu grupo podem se cansar de correr perigo durante suas fugas da polícia, ou a prefeitura pode se cansar de ser prejudicada pelo transito parado. Notem que em ambos os casos, o que encerra esta negociação é um elemento humano, e mesmo animal, que é o cansaço.

Esta é a função social que o Devir Social entende para a violência. Com este exemplo, é fácil entender o porquê é tão importante respeitar todos os mecanismos lícitos de mudanças sociais já desenvolvidos, além de criar novos. Afinal, na maioria dos casos não será uma negociação simples, pois haverá duas ou mais partes que acreditam em coisas diferentes, e não existe a clara percepção de qual é a melhor. O que o Devir espera é que alcancemos, ao menos, um nível de desenvolvimento social em que uma violência preocupante seja, por exemplo, a violação de um lei e não perda de uma vida. Contudo, não é difícil encontrar sistemas sociais atualmente em que muitas vidas são perdidas, leis ignoradas e pouco se faz de realmente novo para que a situação seja resolvida. 

Quando uma pessoa rouba, ela está cometendo uma violência e também uma transformação social, mas a pergunta é: o que levou ela a acreditar naquilo como a sociedade que ela deseja para si? Quando uma pessoa violenta fisicamente outra, é porque aquela outra faz algo que ela desaprova, mas a pergunta é: porque ela não utiliza outros recursos, como diálogo ou negociação, para mudar o que aquela pessoa faz, ao invés de usar a violência? E aqueles que faltam com a verdade ou se entregam a corrupção, ferindo a verdade e as leis do seu país, por que o fazem? Não seria melhor para elas buscar outros meios para alcançar sua satisfação?

Existem casos extremamente complicados, que é preciso que a justiça intervenha com seu poder de multar ou mesmo restringir a liberdade para que a violência não seja vista como um recurso a ser utilizado. No mais, esperamos que entendido a função da violência, as pessoas pensem muito bem antes de utilizá-la. Que aprendam a negociar, a dialogar, a utilizar os mecanismos criados por nossa sociedade ou sugiram a criação de novos para que a violência nunca seja o recurso a ser tomado.

A violência é o recurso mais animalesco que um sistema humano pode experimentar, e isto a torna imprevisível, pois nunca se sabe o quanto uma pessoa está disposta a sacrificar sua própria vida e a do próximo para alcançar o que acredita ou sua satisfação. Vide homens-bomba que sozinhos conseguem levar dezenas consigo. Em um estado de guerra, mesmo que ela seja interna, ninguém está a salvo da violência. Torna-se necessário lutar para contê-la não simplesmente através do seu uso puro, mas também de mecanismo que tragam satisfação para a sociedade.

Post no facebook: https://www.facebook.com/DevirSocial/posts/555723987961961

Nenhum comentário:

Postar um comentário